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CARTA ELOS DE CIDADANIA: A ESCOLA PÚBLICA NA GESTÃO AMBIENTAL NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Manifesto coletivo de profissionais da educação pelo fortalecimento da escola pública, laica, gratuita e de qualidade para todos, enquanto sujeito ativo na gestão ambiental pública.
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O artigo 225 da Constituição Federal, ao estabelecer o “meio ambiente ecologicamente equilibrado” como direito dos brasileiros, “bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida”, atribui ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Isso evidencia a importância estratégica da Educação Ambiental na formação de sujeitos para a participação e exercício do controle social na gestão ambiental como prática da cidadania. Entretanto, devemos considerar que a coletividade não é homogênea e que se configurou historicamente por meio de relações sociais marcadas pela desigualdade tanto no acesso aos recursos ambientais, que são essenciais para a satisfação das necessidades básicas humanas, quanto na capacidade de influenciar diretamente as decisões relativas aos usos destes. Desta forma, ao exercerem o controle social, os grupos que se encontram em situação de vulnerabilidade socioambiental interferem na gestão pública e tensionam para que as ações do Estado e os gastos estatais contribuam para amenizar as vulnerabilidades.
Para atender ao determinado no Art.225 da Constituição Federal, o Brasil instituiu, entre outros dispositivos e determinações legais, a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei federal no 9.795/99) e a Política Estadual de Educação Ambiental (Lei estadual no 3.325/99), que determinam entre os seus objetivos o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável na defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania.
A Política Estadual de Educação Ambiental situa a educação ambiental no espaço da gestão ambiental pública, pois determina, no ensino formal e não formal, a elaboração de diagnóstico socioambiental como um instrumento da educação ambiental (Art. 27), cabendo à rede pública estadual “a adoção do meio ambiente local, incorporando a participação da comunidade na identificação dos problemas e busca de soluções”.
A escola pública, no desempenho de sua função social, deve contribuir na formação de sujeitos capazes de pensar, de estudar, de produzir conhecimentos, de dirigir e de exercer o controle social sobre quem dirige os processos econômicos e político-institucionais. Para isso, deve ter garantida a sua autonomia para a construção e a ampla socialização, para além dos muros escolares, de conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos historicamente produzidos. Estes conhecimentos devem ter como objetivo provocar e formar atitudes substantivamente diferentes e, por vezes, diametralmente opostas àquelas que caracterizam o modo de pensar, sentir e agir dos indivíduos na sociedade capitalista contemporânea. A finalidade maior deste processo é a transformação social e a superação das desigualdades estruturais.
Consideramos que o espaço da gestão ambiental é permeado por problemas e conflitos advindos das disputas entre diferentes atores sociais por acesso e uso de recursos ambientais, cabendo ao Estado atuar como mediador público, determinando quem usa, como usa, quando usa, quanto e para quê usa. Ao fazer isso, o Estado pode privilegiar um grupo em detrimento de outro. Por isso, nem a educação, nem a prática da gestão ambiental, são atividades neutras. Portanto, o Estado, ao assumir determinada postura diante de um problema ambiental, define quem ficará com os custos e quem ficará com os benefícios advindos de determinada ação sobre o ambiente comum, atuando, em muitos casos, com alta incidência de injustiça ambiental sobre os atores sociais historicamente vulneráveis. A escola pública, como espaço de apropriação e socialização coletiva de ferramentas intelectuais, permite o domínio consciente das condições e contradições da realidade existente. Portanto, a educação é campo estratégico de ações transformadoras e seu envolvimento ativo e permanente na gestão ambiental pública do território, fiscalizando, reivindicando e propondo formas de atuação junto ao poder público é parte indispensável no cumprimento da função social da escola pública.
Neste processo, são prerrogativas fundamentais para a atuação da escola pública para além dos seus muros: o fortalecimento dos espaços e mecanismos de participação legalmente constituídos que existem em seu interior, como conselho escolar (lei estadual no 2.838/97) e grêmio estudantil (lei federal no 7.398/85). É imperioso que sejam destinados recursos públicos para estrutura física, salários e condições de trabalho, que garanta o desempenho da função social da escola pública, laica, gratuita e de qualidade para todos, além da garantia e defesa dos princípios da gestão democrática na escola, nos termos do artigo 206, inciso VI da constituição federal e dos artigos 14 e 15 da Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB).
Neste sentido, como contribuição a uma gestão ambiental democrática, participativa e compartilhada, relacionamos algumas propostas e medidas que nós, signatários da Carta Elos de Cidadania: A escola pública na gestão ambiental no Estado do Rio de Janeiro, consideramos como prioritárias, a serem assumidas pelas comunidades escolares e governo.
Nós, profissionais da educação comprometidos com o fortalecimento da escola pública no Estado do Rio de Janeiro, reivindicamos do poder público:
- A efetiva gestão democrática e participativa da escola, com eleição direta para o cargo de diretor escolar, dirigente ou afins, fazendo cumprir a lei, seja federal, estadual ou orgânica municipal, assim como a garantia de amplo acesso a esta eleição por parte da comunidade escolar para que ela possa contribuir para o melhor andamento da mesma.
- O cumprimento da Política Estadual de Educação Ambiental no que se refere à formação inicial e continuada de professores (Art. 11) sobre a temática ambiental.
- O fortalecimento do Conselho Escolar (lei estadual no 2.838/97) como instância democrática de decisões tanto no âmbito intraescolar como na participação da escola em espaços públicos de participação.
- O reconhecimento da legitimidade dos grêmios estudantis como entidades autônomas representativas dos interesses dos estudantes junto ao conselho escolar e outros espaços públicos de participação (lei federal no 7.398/85 e lei estadual no 1.949/92).
- O reconhecimento por parte do poder público do aspecto formativo da inserção da comunidade escolar nos espaços públicos de participação.
- A garantia de destinação de carga-horária específica remunerada para que os docentes e demais profissionais da educação representem a escola nas reuniões das instâncias públicas de participação popular, na tomada de decisão e controle social, tais como Comitês de Bacias Hidrográficas, Conselhos Gestores de Unidades de Conservação da Natureza e Conselhos Municipais de Meio Ambiente e de Educação.
- A garantia do cumprimento do artigo 2o, § 4o da lei do piso (lei federal nº 11.738/08) que reserva 1/3 da carga horária dos profissionais do magistério público para atividades de planejamento.
- Paridade na constituição das representações nas estruturas de gestão ambiental, tais como Comitês de Bacias Hidrográficas e Conselhos Gestores de Unidades de Conservação da Natureza.
- A garantia de destinação de recursos do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano do Rio de Janeiro (FECAM), conforme inciso III do artigo 3º da lei estadual no 3.325/99, para a permanente capacitação técnica da comunidade escolar para a participação nas estruturas de gestão ambiental, tais como Comitês de Bacias Hidrográficas, Conselhos Gestores de Unidades de Conservação da Natureza, Conselhos Estaduais e Municipais de Meio Ambiente.
- A garantia da permanente destinação/aporte de recursos públicos, tais como o Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano do Rio de Janeiro (FECAM), Câmara de Compensação Ambiental e Fundo Estadual de Recursos Hídricos do Rio de Janeiro (FUNDRHI) para que as escolas possam atuar pedagogicamente junto à comunidade do seu entorno cobrando a revitalização de espaços, nascentes, rios, reservatórios, lagunas e da vegetação nativa.
- A elaboração de instrumento legal (Resolução, Portaria, Decreto e outros) que garanta a destinação e aplicação de recursos de fundos públicos (FECAM, Câmara de Compensação Ambiental, FUNDRHI etc) para realização de programas de educação ambiental elaborados em conjunto com a comunidade escolar.
- A realização de fóruns permanentes, a níveis municipal, estadual e federal, realizados com recursos públicos, em que se promova a avaliação do processo de participação da escola pública nos espaços de gestão ambiental.
- Transparência na concessão de licenças e a garantia de que as licenças ambientais para empreendimentos de grande porte respeitem os interesses da comunidade escolar e garantam o seu pleno funcionamento, sendo vedado o fechamento e/ou transferência de escolas públicas para estes fins.
- Transparência e garantia de participação da comunidade escolar nas decisões sobre os processos de gestão pública que envolvem a escola, como licitações, compras públicas, prestação de serviços, projetos em parceria e outros.
- Garantia de que as escolas possam incorporar nos projetos político- pedagógicos, nos currículos e nas práticas cotidianas as dimensões pedagógicas dos conflitos ambientais de seus territórios, junto aos movimentos sociais, lutas populares e de povos tradicionais, no sentido de fortalecer a gestão ambiental pública e os movimentos por Justiça Ambiental.
- Garantia de aquisição de alimentos saudáveis, orgânicos, oriundos prioritariamente da agricultura familiar local para a merenda escolar.
Nós, profissionais da educação comprometidos com o fortalecimento da escola pública no Estado do Rio de Janeiro, nos comprometemos a:
- Mobilizar a comunidade escolar na efetiva e responsável gestão democrática da escola.
- Fortalecer o Conselho Escolar e divulgar a sua importância perante a comunidade escolar.
- Mobilizar os estudantes para a constituição de grêmios estudantis, auxiliando-os na sua organização e legitimação perante a comunidade escolar, fortalecendo o seu papel político na gestão democrática da escola.
- Debater de forma permanente entre os membros da comunidade escolar o aspecto formativo da inserção da escola nos espaços públicos de participação na gestão ambiental pública.
- Constituir a escola como um espaço permanente de diálogo com as comunidades do seu entorno para o mapeamento de problemas e conflitos socioambientais da região e posterior planejamento de ações de intervenção na realidade ambiental local.
- Envolver as comunidades do entorno da escola para a reivindicação e participação na revitalização de espaços, rios, nascentes, reservatórios, lagunas e da vegetação nativa.
- Mobilizar a comunidade escolar para a participação na construção de políticas públicas de conservação da natureza e promoção da defesa dos direitos humanos, assim como para a ocupação dos espaços públicos de participação na tomada de decisão (Comitês de Bacia Hidrográfica, Conselhos Gestores de Unidades de conservação, Conselhos Municipais de Meio Ambiente etc).
- Discutir e disputar no âmbito da escola, a inclusão da temática da educação ambiental, numa perspectiva crítica, no projeto político-pedagógico, nos currículos e nas práticas escolares, de forma permanente e em diálogo com as questões socioambientais que atingem o entorno da instituição escolar.
- Elaborar estratégias e planos de trabalho para a organização da comunidade escolar no sentido de cobrar e fiscalizar a utilização do fundo público direcionado à escola e à gestão ambiental, assim como propor formas de atuação junto ao poder público.
- Constituir grupos de trabalho no interior da escola para acompanhar e representar a escola em audiências públicas que envolvam licenciamentos ambientais que afetem direta ou indiretamente os interesses da comunidade escolar.
- Construir estratégias de participação em eventos em que sejam discutidas questões relacionadas à gestão ambiental, com a finalidade de ampliar a compreensão sobre o papel da escola pública neste processo.
Esta Carta foi construída coletivamente e aprovada em plenária durante o III FÓRUM ELOS DE CIDADANIA, realizado em 29 de novembro de 2013, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Maiores informações em https://cartaelos.wordpress.com/